terça-feira, outubro 26, 2021

Ironman Cascais

TÁ FEITO C@R@...caraças...este foi duro, foi muito duro, não me costumo lembrar das coisas más, mas não tenho ideia de ter sofrido tanto no meu primeiro Ironman. Começando pelo início, só começar este Ironman foi uma vitória, 5 dias antes da prova fui violentamente atropelado por uma carrinha, a minha bicicleta ficou toda partida e eu facilmente podia-me ter aleijado gravemente, ou mesmo não estar cá para contar a história, no entanto escapei só com alguns arranhões e nódoas negras. Há quem tenha dito que era um sinal que eu não devia participar no Ironman, para mim era só uma oportunidade que se mantinha ainda poder participar no Ironman, estava limitado mas não impedido fisicamente de participar.

Nas noites anteriores dormi mal, alguma ansiedade, preocupação com as mazelas, preocupação com a bicicleta. Contudo e felizmente, na noite da prova até dormi bem, acordei com o despertador e pensei - Isto ainda é cedo para começar a trabalhar. - depois quando vi que eram 6 horas é que caí em mim, esta era a hora que tinha posto o despertador no dia do Ironman. Despachar-me, ir até o parque de transição e fazer os últimos ajustes, por a garrafa de água, a minha alimentação nos sacos de transição, reavaliar o ar nos pneus e dirigir-me para a praia. Cheguei relativamente cedo à praia por volta das 7h20m e ainda fui dentro de água para avaliar a temperatura e dar a sentir ao corpo o que me esperava na prova. Ouvir o hino de Portugal foi diferente de qualquer outra vez, normalmente ouvimos o hino porque alguém está prestes a competir ou a ser reconhecido em representação de Portugal, naquele caso o hino era para mim, e para todos os portugueses que iam participar na prova. Após o hino dirigi-me para a minha caixa de partida, decidi ficar na caixa em que o tempo expectável para a natação seria entre 1h10m e 1h20m. Troquei uns últimos dedos de conversa com o Mário e o Paulo e nisto é dada a partida para os atletas de elite, começando a tocar o Thunderstruck dos AC/DC. Esta música foi como uma injecção de energia, toda a gente parecia focadíssima, como gladiadores à espera que abrissem os portões para entrarem a correr e a gritar dentro da arena, nunca mais ouvirei esta música com os mesmos ouvidos, o sentimento será com certeza este daqui para a frente.


Lá fui avançando na fila do rolling start e quando chego lá à frente e os braços baixam para dar sinal para o meu arranque, sentia-me o tal gladiador a correr pela areia em direcção ao mar. Os primeiros metros até ao pontão da praia do Peixe foi só um nadar desenfreado para ganhar ali algum espaço e orientar-me devidamente. Nessa altura estava um pouco descaído para a esquerda mais perto de terra. Devido à maré estar um pouco vazia achei que seria boa ideia ir mais longe da costa devido às rochas que poderia apanhar mais à frente (conhecia bem o percurso porque tinha feito dezenas de vezes em treinos) e fui-me dirigindo mais para a direita, apanhando a grande coluna de triatletas. Em boa altura o fiz por dois motivos, o primeiro realmente houve muita gente a queixar-se de ter apanhado rochas e eu nem as vi, o segundo porque fui atrás de uns pés que mal mexiam o que fazia que tivesse uma natação tranquila a poupar energia atrás de outro triatleta.

Segui atrás daquele triatleta até à bóia que estava mais perto do pontão do Tamariz, por volta dos 1800m, depois achei que ele estava a calcular mal a trajectória para a bóia seguinte que estava a cerca de 300m, e que estava a abrir muito para fora. Decidi então ir por mim até essa bóia e tentar arranjar uns melhores pés para seguir até ao final. Foi nessa altura que cheguei também a metade do percurso, e estava com 35 minutos de prova, ou seja, estava com um tempo final de natação perto de 1h10m, que seria inclusivamente melhor do que fiz em Barcelona. Após a bóia de retorno era seguir a direito tendo como referência o forte de Cascais. Apanhei uns pés que até estavam a um ritmo aceitável, mas que faziam imensa espuma e turbulência e após uns minutos aproveitei a boleia de outro triatleta que passava por nós e que quase não batia os pés. Fui seguindo quase até o final da natação e só quando vi a plataforma de saída para aí a 100-200m é que então fiz um esforço individual para chegar mais rápido. Nesta altura ainda me estava a sentir tão bem que me lembro perfeitamente de pensar que se fosse preciso dava outra volta, nem frio nem cansaço. Acabei o segmento de natação com 1h13m22s, fazendo mais de 3900m, por isso estava muito contente com o meu tempo.

Fazer agora quase 1km a correr até ao parque de transição, e calmamente preparar o famigerado segmento de ciclismo, passar vaselina nos pés, calçar as meias verificando que não ficaram com rugas, sapatos, dorsal, capacete e comida. Era hora do meu calcanhar de Aquiles, ainda por cima ia fazer com a minha bicicleta velhinha da Decathlon, que me tinha custado 300€, menos que alguns travões de algumas bicicletas que estavam lá no parque.

Pouco depois de sair do parque de transições tento por os braços nos extensores, que tinha passado da outra bicicleta para esta, mas as barras do guiador são mais finas e os extensores não apertavam bem, por isso não tinham estabilidade nenhuma, desisti logo ali de os usar, acabaram por só ser peso extra para o segmento de ciclismo. A primeira parte no Guincho que era rolante fui sendo ultrapassado por diversos triatletas, só quando comecei a subir para a Malveira é que equilibrei a coisa e ia passando mais ou menos tantos quantos os que passavam por mim. A subida até à Peninha foi tranquila e a um ritmo quase idêntico ao que tinha feito em treino com a bicicleta de competição. Na descida da estrada da Peninha fui ainda ultrapassando alguns, aquela descida técnica e algo perigosa favoreceu-me porque a conheço bastante bem por a ter feito dezenas de vezes. Na descida seguinte até à Malveira aí já foi outra conversa, é uma descida fácil e com a minha bicicleta a esgotar a desmultiplicação por volta dos 50km/h, fui sendo ultrapassado. Ao entrar no autódromo vejo um triatleta que estava já a sair a estatelar-se mesmo à minha frente, era um lembrete para não arriscar porque qualquer queda ou avaria podia-me tirar da competição. E sim, esse foi um cuidado constante que eu tive em todo o segmento, aquela bicicleta não é muito fiável, por isso tudo o que era buraco, empedrado, ou alcatrão em pior estado tentava evitar ou passar com cuidado para não partir nada. Chegar a Cascais e virar em direcção a Algés, ainda tinha pouco mais de 60kms feitos. Pouco depois foi a primeira ocasião onde me senti pouco confortável, sentia algum vento de frente, e com aquela bicicleta não conseguia posição aerodinâmica ou rolar a uma velocidade aceitável, até Algés fui a debater-me contra o vento. Dar a volta em Algés e ficou mais fácil, aproveitei para aumentar o ritmo e ao mesmo tempo sentir-me mais confortável, mesmo assim por volta dos 90kms o Paulo passou por mim e rapidamente deixei de o ver. Por volta dos 95kms comecei a sentir algumas dores de costas, ainda faltava tanto, por isso sabia que iria sofrer.

Chegando outra vez a Cascais e começar a segunda volta. No Guincho também já se sentia o vento de frente, não era muito forte mas o suficiente para me fazer claramente baixar o ritmo. Começando a subir para a Malveira senti um enorme calor, era mais ou menos 13h30m, o sol estava a pique, estava só com isotónico e não tinha água para pôr sobre a cabeça e sentia o cérebro a cozinhar por baixo do capacete. Como não me estava a sentir muito bem, antes de entrar na estrada da Serra fiz uma paragem estratégica para xixi, aproveitando para sair da bicicleta e tentar descansar durante uns segundos. quando chego a Cascais pensei que ia passar outro mau bocado com o vento em direcção a Algés, mas felizmente o vento tinha acalmado e a ida até Algés não foi tão penosa como a da primeira vez. O último retorno a Cascais já foi doloroso, as dores nas costas pioraram, o rabo já me doía e estava com uma dor estranha e incomodativa no meu pé direito. Foi gerir aqueles últimos quilómetros e pensar que era só chegar com a bicicleta que tinha praticamente a garantia que terminava o Ironman nem que fosse a andar.


Chego ao parque de transição e conforme ponho o pé direito no chão sinto uma dor aguda, não conseguia andar direito, só coxeava, não queria acreditar mas o meu pensamento de acabar nem que fosse a andar se calhar ia acontecer. Acabei o ciclismo com 6h57m08s, acredito que se tivesse feito com a minha bicicleta de competição teria feito 20-30 minutos a menos do que este tempo, mas o importante estava feito que era terminar. Penduro a bicicleta, calço os ténis de corrida e a dor alivia um bocado com o pé dentro dos ténis. Começo a correr ainda com dores, meio a coxear, mas a verdade é que passado 500m a dor tinha praticamente desaparecido e não me estava a impedir de correr. Os primeiros quilómetros de corrida até posso dizer que foram divertidos, estava a um bom ritmo, estava a passar imensa gente e não sentia qualquer tipo de dores significativas. Com 1 hora de corrida tinha feito 11kms e estava agora eu a ultrapassar o Paulo, que me tinha ultrapassado há horas atrás a meio da bicicleta. Nas idas para o Guincho estava a tentar abrigar-me do vento atrás de alguém, mas ao contrário de uma corrida normal onde corremos perto de pessoas com o mesmo ritmo, ali era difícil encontrar alguém com o mesmo ritmo, a maior parte era mais lenta que eu e às vezes passava alguém por mim muito mais rápido que eu não conseguia seguir, por isso ir abrigado era uma tarefa difícil.


Acabei a primeira meia maratona com 1h57m, não daria o tempo final que gostaria de fazer que era as 3h45m, mas não deixava de ser um tempo muito interessante. Contudo nessa altura já senti alguma fraqueza e percebi que não ia aguentar aquele ritmo durante muito mais tempo e que ia entrar em quebra, só não esperava era ter uma quebra tão acentuada como iria ter. Nessa altura fiz a segunda paragem estratégica para xixi, acho que até aguentaria até o final da corrida sem fazer, mas era mais para parar durante uns segundos e tentar recuperar. Quando dou a última volta em Cascais lá estavam os meus pais, como estiveram todo o dia durante o percurso, e disse que demoraria mais 1h20m-1h25m a fazer os 14kms que faltavam, mas que estava a sentir-me a quebrar. E a coisa iria piorar muito, por volta do quilómetro 30 sentia-me com o depósito totalmente vazio, fui obrigado a reduzir o ritmo porque não conseguia dar mais, por muito que bebesse e comesse parecia que não conseguia recuperar nada. Quando faltavam 6 quilómetros para o fim dei por mim numa situação que nunca tinha sentido, já tinha sentido pernas a falhar, a tremer, mas foi a primeira vez que senti a cabeça dormente, vontade de fechar os olhos e simplesmente apagar. Andei durante 10-15 segundos acho eu, e disse para mim que tinha de voltar a correr nem que fosse devagar, mas tinha de correr, e que iria andar nos postos de abastecimento dali até ao final. Não tenho muita memória destes últimos quilómetros, sei que andei nos postos de abastecimento e o resto foi descer devagar até Cascais. A memória que tenho é de olhar para o lado direito e ver o tapete vermelho com a meta ao fundo. Ainda parei para cumprimentar o Vasco que estava no público, eu acho que era o Vasco, mas nesta altura já não tenho a certeza. Cortei a meta totalmente arrasado mas com um sorriso nos lábios, ao fim de 12h54m14s, tendo demorado 4h31m55s a acabar a maratona. A minha queda facilmente se percebe quando olho para os últimos 14kms onde demorei a enormidade de 1h50m a fazer. A dureza deste percurso pode ser vista na enorme quantidade de desistências, não sei o número exacto mas a organização anunciou cerca de 2000 a começar e só acabaram 1410, é uma percentagem de desistências muito elevada. E no final lá estavam os meus pais outra vez, que me seguraram para me ajudar a andar. Além deles tinham acabado de chegar o Francisco e a Ana. Infelizmente o Francisco só chegou aquela hora, teria sido muito bom tê-lo visto durante a prova e teria sido uma força extra.




Tenho de dizer o muito obrigado a todos os amigos que me apoiaram, os que competem sabem o que vale aquele apoio, mas os que não competem acreditem que é valioso qualquer apoio vindo de fora. O muito obrigado aos meus pais que passaram o dia todo a apoiarem em todas as passagens que tinha em Cascais, e ainda me ajudaram a ir buscar a bicicleta e o equipamento no final da prova. 

Agora a parte mais negativa que não posso deixar passar. Se em Setúbal elogiei a organização, aqui irei fazer exactamente o contrário porque provavelmente estamos a falar do evento desportivo mais importante e que move mais dinheiro realizado em Portugal este ano. A marca Ironman™, quere-se uma marca de excelência, estamos a falar de uma prova pelo menos 3 vezes mais cara que qualquer outra prova com a mesma distância, por isso não esperava nada além da perfeição, que justificasse o preço que é pago. As minhas queixas vi-as replicadas por muitas pessoas, por isso é com algum fundamento que as faço e não é uma simples implicância minha. 

Começando pelo segmento de natação, a touca que nos deram mais parece uma touca descartável, de tão má qualidade que tinha medo de a romper ao colocá-la, ao contrário de todas as provas onde tenho participado que guardo as toucas e que as uso frequentemente com orgulho de ter acabado a prova, esta touca não a voltarei a utilizar. Depois o percurso, eu por acaso conhecia o percurso, mas estava mal sinalizado com poucas bóias de orientação e pior que isso, houve imensas pessoas a aleijarem-se em rochas porque a maré não estava cheia. 

No segmento de ciclismo vários problemas outra vez. Primeiro não forneceram um bidon inicial no kit, ou seja tivemos de levar nós um bidon nosso, para quando tivesse vazio deitar fora para receber...um novo bidon...não! Recebíamos garrafas de plástico vulgares que nem se aguentavam bem nos suportes da bicicleta, simplesmente ridículo. Já sei que se vão desculpar com o COVID, que era para não abrir as garrafas e por dentro de bidons, mas depois no segmento de corrida já puderam abrir as garrafas e por o líquido em copos de papel. Depois só havia 1 sabor de gel e 1 sabor de barras energéticas, ainda bem que eu gostei dos sabores, porque para quem não gostasse estava tramado. E as bananas, eram tão verdes que era impossível descascá-las em andamento e em segurança, inclusivamente houve uma que comecei a comer e de tão acre e aspera que era tive de a cuspir fora. Finalmente ter postos de abastecimento que só funcionam numa das voltas é só enganar-nos, bem sei que se vão escudar no regulamento, que por acaso li umas 3 vezes, mas acham que consigo decorar todos os quilómetros a que há abastecimento? O que aconteceu-me na primeira volta foi a chegar a Caxias em direcção a Lisboa tinha indicação de posto de abastecimento, deito fora a minha garrafa de água para receber uma cheia e quando vejo ainda estão a montar o posto de abastecimento que estaria aberto só na segunda volta, conclusão, tive uma série de quilómetros sem água.

Passando ao segmento de atletismo, o único alimento sólido eram bananas verdes mais uma vez. Ainda descobri uma mesa com uns míseros frutos secos, mas barras energéticas nem vê-las. E alimentação com sal para evitar cãibras? Também nem vê-la. E finalmente se querem ter bebida quente ponham chá, agora cola ou bebida energética quente é só horrível. Minimizar custos e aumentar lucros, é o que vejo. Por isto dificilmente voltarei a participar num evento da marca Ironman™, se quiser voltar a fazer a distância Ironman tenho outras opções muito mais baratas e com melhor qualidade.




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