TÁ FEITO C@R@...caraças...este foi duro, foi muito duro, não me costumo lembrar das coisas más, mas não tenho ideia de ter sofrido tanto no meu primeiro Ironman. Começando pelo início, só começar este Ironman foi uma vitória, 5 dias antes da prova fui violentamente atropelado por uma carrinha, a minha bicicleta ficou toda partida e eu facilmente podia-me ter aleijado gravemente, ou mesmo não estar cá para contar a história, no entanto escapei só com alguns arranhões e nódoas negras. Há quem tenha dito que era um sinal que eu não devia participar no Ironman, para mim era só uma oportunidade que se mantinha ainda poder participar no Ironman, estava limitado mas não impedido fisicamente de participar.
Nas noites anteriores dormi mal, alguma ansiedade, preocupação com as mazelas, preocupação com a bicicleta. Contudo e felizmente, na noite da prova até dormi bem, acordei com o despertador e pensei - Isto ainda é cedo para começar a trabalhar. - depois quando vi que eram 6 horas é que caí em mim, esta era a hora que tinha posto o despertador no dia do Ironman. Despachar-me, ir até o parque de transição e fazer os últimos ajustes, por a garrafa de água, a minha alimentação nos sacos de transição, reavaliar o ar nos pneus e dirigir-me para a praia. Cheguei relativamente cedo à praia por volta das 7h20m e ainda fui dentro de água para avaliar a temperatura e dar a sentir ao corpo o que me esperava na prova. Ouvir o hino de Portugal foi diferente de qualquer outra vez, normalmente ouvimos o hino porque alguém está prestes a competir ou a ser reconhecido em representação de Portugal, naquele caso o hino era para mim, e para todos os portugueses que iam participar na prova. Após o hino dirigi-me para a minha caixa de partida, decidi ficar na caixa em que o tempo expectável para a natação seria entre 1h10m e 1h20m. Troquei uns últimos dedos de conversa com o Mário e o Paulo e nisto é dada a partida para os atletas de elite, começando a tocar o Thunderstruck dos AC/DC. Esta música foi como uma injecção de energia, toda a gente parecia focadíssima, como gladiadores à espera que abrissem os portões para entrarem a correr e a gritar dentro da arena, nunca mais ouvirei esta música com os mesmos ouvidos, o sentimento será com certeza este daqui para a frente.
Lá fui avançando na fila do rolling start e quando chego lá à frente e os braços baixam para dar sinal para o meu arranque, sentia-me o tal gladiador a correr pela areia em direcção ao mar. Os primeiros metros até ao pontão da praia do Peixe foi só um nadar desenfreado para ganhar ali algum espaço e orientar-me devidamente. Nessa altura estava um pouco descaído para a esquerda mais perto de terra. Devido à maré estar um pouco vazia achei que seria boa ideia ir mais longe da costa devido às rochas que poderia apanhar mais à frente (conhecia bem o percurso porque tinha feito dezenas de vezes em treinos) e fui-me dirigindo mais para a direita, apanhando a grande coluna de triatletas. Em boa altura o fiz por dois motivos, o primeiro realmente houve muita gente a queixar-se de ter apanhado rochas e eu nem as vi, o segundo porque fui atrás de uns pés que mal mexiam o que fazia que tivesse uma natação tranquila a poupar energia atrás de outro triatleta.
Segui atrás daquele triatleta até à bóia que estava mais perto do pontão do Tamariz, por volta dos 1800m, depois achei que ele estava a calcular mal a trajectória para a bóia seguinte que estava a cerca de 300m, e que estava a abrir muito para fora. Decidi então ir por mim até essa bóia e tentar arranjar uns melhores pés para seguir até ao final. Foi nessa altura que cheguei também a metade do percurso, e estava com 35 minutos de prova, ou seja, estava com um tempo final de natação perto de 1h10m, que seria inclusivamente melhor do que fiz em Barcelona. Após a bóia de retorno era seguir a direito tendo como referência o forte de Cascais. Apanhei uns pés que até estavam a um ritmo aceitável, mas que faziam imensa espuma e turbulência e após uns minutos aproveitei a boleia de outro triatleta que passava por nós e que quase não batia os pés. Fui seguindo quase até o final da natação e só quando vi a plataforma de saída para aí a 100-200m é que então fiz um esforço individual para chegar mais rápido. Nesta altura ainda me estava a sentir tão bem que me lembro perfeitamente de pensar que se fosse preciso dava outra volta, nem frio nem cansaço. Acabei o segmento de natação com 1h13m22s, fazendo mais de 3900m, por isso estava muito contente com o meu tempo.
Fazer agora quase 1km a correr até ao parque de transição, e calmamente preparar o famigerado segmento de ciclismo, passar vaselina nos pés, calçar as meias verificando que não ficaram com rugas, sapatos, dorsal, capacete e comida. Era hora do meu calcanhar de Aquiles, ainda por cima ia fazer com a minha bicicleta velhinha da Decathlon, que me tinha custado 300€, menos que alguns travões de algumas bicicletas que estavam lá no parque.
Pouco depois de sair do parque de transições tento por os braços nos extensores, que tinha passado da outra bicicleta para esta, mas as barras do guiador são mais finas e os extensores não apertavam bem, por isso não tinham estabilidade nenhuma, desisti logo ali de os usar, acabaram por só ser peso extra para o segmento de ciclismo. A primeira parte no Guincho que era rolante fui sendo ultrapassado por diversos triatletas, só quando comecei a subir para a Malveira é que equilibrei a coisa e ia passando mais ou menos tantos quantos os que passavam por mim. A subida até à Peninha foi tranquila e a um ritmo quase idêntico ao que tinha feito em treino com a bicicleta de competição. Na descida da estrada da Peninha fui ainda ultrapassando alguns, aquela descida técnica e algo perigosa favoreceu-me porque a conheço bastante bem por a ter feito dezenas de vezes. Na descida seguinte até à Malveira aí já foi outra conversa, é uma descida fácil e com a minha bicicleta a esgotar a desmultiplicação por volta dos 50km/h, fui sendo ultrapassado. Ao entrar no autódromo vejo um triatleta que estava já a sair a estatelar-se mesmo à minha frente, era um lembrete para não arriscar porque qualquer queda ou avaria podia-me tirar da competição. E sim, esse foi um cuidado constante que eu tive em todo o segmento, aquela bicicleta não é muito fiável, por isso tudo o que era buraco, empedrado, ou alcatrão em pior estado tentava evitar ou passar com cuidado para não partir nada. Chegar a Cascais e virar em direcção a Algés, ainda tinha pouco mais de 60kms feitos. Pouco depois foi a primeira ocasião onde me senti pouco confortável, sentia algum vento de frente, e com aquela bicicleta não conseguia posição aerodinâmica ou rolar a uma velocidade aceitável, até Algés fui a debater-me contra o vento. Dar a volta em Algés e ficou mais fácil, aproveitei para aumentar o ritmo e ao mesmo tempo sentir-me mais confortável, mesmo assim por volta dos 90kms o Paulo passou por mim e rapidamente deixei de o ver. Por volta dos 95kms comecei a sentir algumas dores de costas, ainda faltava tanto, por isso sabia que iria sofrer.
Chegando outra vez a Cascais e começar a segunda volta. No Guincho também já se sentia o vento de frente, não era muito forte mas o suficiente para me fazer claramente baixar o ritmo. Começando a subir para a Malveira senti um enorme calor, era mais ou menos 13h30m, o sol estava a pique, estava só com isotónico e não tinha água para pôr sobre a cabeça e sentia o cérebro a cozinhar por baixo do capacete. Como não me estava a sentir muito bem, antes de entrar na estrada da Serra fiz uma paragem estratégica para xixi, aproveitando para sair da bicicleta e tentar descansar durante uns segundos. quando chego a Cascais pensei que ia passar outro mau bocado com o vento em direcção a Algés, mas felizmente o vento tinha acalmado e a ida até Algés não foi tão penosa como a da primeira vez. O último retorno a Cascais já foi doloroso, as dores nas costas pioraram, o rabo já me doía e estava com uma dor estranha e incomodativa no meu pé direito. Foi gerir aqueles últimos quilómetros e pensar que era só chegar com a bicicleta que tinha praticamente a garantia que terminava o Ironman nem que fosse a andar.
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