domingo, outubro 09, 2016

Ironman Barcelona - a prova

O dia começou cedo, por volta das 5h o Mário não conseguia dormir mais e começou-se a preparar para a prova, como partilhávamos o quarto acabei por acordar também quando era suposto só acordar às 6h. Lá comecei a equipar-me calmamente e a fazer os meus noodles para o pequeno almoço. Detesto comer muito quando acabo de acordar, tive de me obrigar a comer um pouco mais porque precisava de todas as energias disponíveis para a prova. Os meus objectivos eram: 1) acabar o Ironman; 2) divertir-me; 3) acabar abaixo das 13h de prova.

Acabámos por chegar por volta das 7h ao parque de transições, rapidamente verifiquei que estava tudo bem com a bicicleta e só necessitei de colocar o cantil de isotónico. Por sorte a minha bicicleta estava na ponta do corredor o que facilitava a saída e entrada no parque de transições. Fui até à tenda da transição e coloquei alguma comida nos sacos, nomeadamente uma fatia de pizza e umas bananas. Faltava ainda algum tempo, eu e o Nelson fomos aquecer um bocado já na praia com uma natação muito ligeira. Para mim foi mais para descontrair e experimentar aquela água na qual ainda não tinha nadado.

Por volta das 8h entrámos nas caixas de partida, decidi entrar na caixa de 1h10m (tempo que levaria a concluir o segmento de natação), fiquei sozinho pois nenhum dos meus colegas escolheu aquela caixa. A partida dos profissionais seria dada às 8h10m e nós começaríamos a sair às 8h20m por ordem das caixas mais rápidas até as mais lentas. As partidas acabaram por atrasar 5 minutos devido a um problema eléctrico, e como eu já calculava esta seria a altura onde eu começaria a ficar nervoso, é sempre assim, fico nervoso só a poucos minutos do começo quando alinhamos para a partida, ainda para mais havendo atrasos. No meio daquela música épica olho para o céu, lembro-me da minha avó, do meu filho, dos sacrifícios que fiz desde o início do ano, das privações a que me sujeitei, das inúmeras horas de treino ao frio, à chuva, ao vento e acabo por começar a chorar. As lágrimas eram incontroláveis, provavelmente foi a forma de aliviar o nervosismo que estava a sentir. Nisto outro triatleta olha para mim e levanta o pulgar, eu respondo com um sorriso e levantado também o pulgar. 

É dado o tiro de partida para os profissionais e o nervosismo é substituído por curiosidade levanto o pescoço tipo girafa para conseguir ver a saída para a água. Começo a analisar a natação para ver se notava alguma corrente, e apesar de não haver corrente a bóia estava ligeiramente descaída para a esquerda por isso queria sair o mais à esquerda possível. Rapidamente abre a minha caixa para sairmos e vou colocar-me o mais à esquerda possível. Pela primeira vez, nesta prova, foi usado o sistema de "Rolling start", ou seja, de 4 em 4 segundos saíam 6 triatletas, como contava era o tempo de chip que só era iniciado quando passávamos o portico da partida ninguém ficaria prejudicado. Isto foi óptimo e gostava que fosse replicado em outras provas, diminui imenso a confusão e cotoveladas dentro de água, ainda por cima se formos a nadar com triatletas com tempo idêntico de natação só temos todos a ganhar.

O primeiro quilómetro foi feito em 17 minutos, calculei logo que haveria corrente a favor nesta fase, não achei que estivesse assim a esforçar-me tanto de modo a que o tempo fosse assim tão bom. Aos 2 quilómetros 35 minutos, numa natação muito tranquila só perturbada por algumas alforrecas das quais me ia desfiando. A partir do momento da viragem, em que começámos a andar em sentido contrário senti que o ritmo estava a  diminuir, havia mesmo uma ligeira corrente que diminuía o ritmo. O que é engraçado é que todos os meus colegas de equipa acharam o contrário, que a segunda parte tinha sido mais rápida, eu pelos meus números sei que fui mais rápido na primeira metade, e tenho quase a certeza que isso se deveu à corrente. Saí bastante soltinho da água com 1h12m05s, quase 2 minutos melhor que no meu último teste no swim challenge de Cascais.


Fiz uma transição com calma, meti vaselina nos pés, garanti que as meias estavam sem rugas, comida nos bolsos e siga para o segmento que mais temia. O segmento de ciclismo sempre foi o meu segmento mais fraco, apesar do muito treino dedicado. Mas acima de tudo temia alguma avaria ou alguma queda que deitassem por terra a minha prova e todo o esforço na sua preparação. O tempo estava espectacular, totalmente encoberto, numa temperatura ideal para a pratica de desporto. Depois do reconhecimento que tinha feito no dia anterior com o Mário achei que conseguia fazer uma média de 30km/h o que daria um tempo final neste segmento de 6 horas.

Nos primeiros quilómetros antes da subida ia rolando a 35-40km/h, incrível e sentia-me super bem, comecei a suspeitar que apesar de não se ver nas árvores e arbustos, provavelmente estaria com um ligeiro vento pelas costas. Mas o que mais me surpreendeu foram as "locomotivas" que passavam por mim, eu aquela velocidade e eles passavam por mim a uma velocidade verdadeiramente impressionante. Quando cheguei à subida a minha bicicleta fez a diferença para as bicicletas de contra relógio, se no plano perdia imenso tempo ali fui sempre a ultrapassar outros triatletas com a minha bicicleta muito mais leve.


Após o retorno percebi logo que realmente estava vento, em algumas zonas planas passei de 34km/h num sentido para 26km/h no outro sentido, estes 40km de retorno para acabar a primeira volta não foram fáceis. No final da primeira volta parei a primeira vez para aliviar a bexiga, o engraçado foi quando sai da cabine e agarrei na bicicleta, estava logo um voluntário pronto para me empurrar para eu retomar a prova o mais rapidamente possível. No final da primeira volta tinha demorado 2h44m, tempo espectacular, agora restava saber se o meu baixar de velocidade no retorno se devia só ao vento. Depois do retorno a velocidade voltou a subir, não para os níveis iniciais, mas ia claramente acima de 30km/h, sim estava a ficar desgastado mas não tanto assim. 

Por volta dos 105km comecei a sentir algum desconforto no rabo e virilhas, não treinei muito a posição de cabra na bicicleta em percursos grandes, e esta posição traz outro tipo de desafios. Comecei a aproveitar qualquer subida para me levantar e aliviar o rabo de estar sempre sentado no selim. Quando comecei a subida nesta 2ª volta percebi que já não estava a conseguir impor um grande ritmo, não fui passado por muitos triatletas mas também não passei por muitos. Até ao retorno até fui mais ou menos confortável, agora a seguir ao retorno, com vento de  frente percebi que esta seria a altura de sofrer, este foi o meu pior momento no Ironman. No retorno fartei-me de ser ultrapassado por mini pelotões, sim haviam bastantes árbitros, sim vi mostrar vários cartões azuis, contudo acho que o crime compensou para a maioria, não podiam andar na roda uns dos outros, mas quase todos o faziam, eu quis ser honesto e acabar o Ironman sem batota e com isso perdi alguns minutos e despendi algum esforço extra.


Acabei o ciclismo com 5h44m, tinha feito uma média de 30km/h na segunda metade do percurso, apesar da quebra não piorei assim tanto, e acabei o percurso de ciclismo abaixo das minhas melhores expectativas. Ao entrar na tenda de transição não vi o meu saco no sítio onde deveria estar. Ainda bem que dei um laço na corda do saco, assim consegui perceber que o meu saco estava deslocado uns 5 ganchos para o lado onde deveria estar. Massajei os joelhos com Voltaren, o esquerdo começou a doer-me ligueiamente no final da bicicleta e o direito foi de prevenção, pois devido aos treinos nos últimos dias antes do Ironman andava a doer-me e foi a minha maior preocupação nos dias que antecederam. Comecei a correr, e nessa altura percebi realmente que aquele era o meu dia, os tempos estavam a sair melhor do que podia imaginar, sentia-me bem e agora muito dificilmente não acabaria o Ironman, nem que fosse a coxear até à meta.


Os primeiros quilómetros correram super bem, ao ponto de pensar que talvez conseguisse bater o meu melhor tempo da maratona que é 3h50m. Contudo a minha capacidade física foi baixando, apesar de não sentir dores nem um desconforto assim tão grande, o meu ritmo foi descendo progressivamente. A meia maratona ainda foi feita baixo das 2h, nessa altura soube que iria conseguir superar tanto as 13h de prova como quase de certeza que baixaria da barreira das 12h. Por volta dos 24km ainda tive de fazer outra paragem rápida para ir à casa de banho, queria ter poupado esta paragem mas não ia aguentar até ao final. A 8km do final começaram a doer-me os joelhos, já faltava pouco, já começava a cheirar a meta, era sofrer só mais um bocadinho.


Quando entrei naquele mágico tapete vermelho da recta da meta abrandei, quis desfrutar daquele momento, ajeitei o fato como os ciclistas profissionais fazem antes de cortar a meta, tirei a chucha do meu filho do bolso que me acompanhou durante toda a corrida, ergui os braços e comecei a saltar virado para as bancadas. Estava tão inebriado que nem ouvi o comentador dizer a tradicional frase - "Tiago you are an Ironman" - dei um último salto, gritei e ri de felicidade, tinha acabado de atingir o maior desafio desportivo a que me tinha proposto.

Apesar do cansaço queria desfrutar até ao último momento daquela festa. Fui busca a bicicleta ao parque de transições, fui até ao hotel para um banho rápido e voltei para a bancada da recta da meta para a hero hour (hora do herói). A hero hour é a última hora de prova, a última hora em que os triatletas podem cortar a meta dentro do tempo limite. Tenho o maior respeito por estes triatletas, mais do que por muitos dos que acabaram no topo da tabela, o sofrimento, o estado debilitado que muitos chegavam, a força de vontade para terminarem a prova, é algo pelo qual eu faço uma vénia.


No final devo dizer que o mais difícil de fazer um Ironman é mesmo a preparação, são longos meses de treino e de muitos sacrifícios. Pessoalmente, tive momentos complicados para conseguir cumprir um plano mínimo de treinos, em Março quase não treinei devido a uma queda de bicicleta, em Junho nasceu o meu filho, em Agosto conciliar as férias de família com o treino e no final do mês a morte da minha avó. Se em casa as coisas eram complicadas, sempre a pedirem para treinar menos tempo, para não fazer tantas provas, para passar mais tempo em casa, para terem mais atenção da minha parte, por outro lado os meus colegas de equipa e de treinos sempre me apoiaram, sempre me fizeram acreditar que era possível. O caminho foi longo e difícil mas agora posso dizer com orgulho - "I'M AN IRONMAN".



Vídeo oficial

O vídeo da minha prova

1 comentário:

Fernando Martins disse...

Primeiramente: PARABÉNS Tiago!
Estou começando a planejar fazer um Ironman e gostaria de um no 2o semestre. Eis que descobri o IM Barcelona e pesquisando no google blogs, encontrei o seu.
Que relato fantástico! Que motivação!
Aproveitei e entrei na atividade do seu garmin connect e comparado a outros ironman achei este tranquilo. Praticamente 2 subidas (grandes) no ciclismo, a corrida totalmente plana... que prova!!! E a temperatura agradabilíssima.
Obrigado pelo seu relato. Salvei já nos meus favoritos para que eu possa voltar aqui e me motivar !
Essa prova esgotam as inscricoes rapidos, né? Abraços e saudações do Brasil