A mítica, a autêntica, a maratona que saí de Maratona e chega a Atenas, percurso percorrido pelo soldado Fidípides no distante ano de 490 AC, e recriada o mais aproximadamente possível nesta actual Maratona de Atenas. Antes demais tenho de agradecer o convite do Sebastião, para que eu fosse com ele e com o fantástico grupo com que treina a esta prova, e pelo esforço na organização da viagem. Desse grupo fomos 8 os que enfrentaram a maratona e a concluíram com sucesso, 2 deles em estreia absoluta, e outros já com muitos quilómetros nas pernas.
O desnível desta prova é algo anormal para uma maratona de estrada, com duas subidas constantes, uma entre os 8 e os 16 kms e outra bastante extensa entre os 18 e 31 kms. Dali até ao final era uma descida constate, por isso sabia que o segredo desta prova estava em chegar inteiro aos 31 kms para poder aproveitar a descida até à meta. Por outro lado, a parte da prova onde normalmente estamos mais debilitados, o chamado "bater contra o muro", a acontecer, acontecia no início da descida. De qualquer forma e dada a dureza da prova, um bom resultado para mim seria fazer abaixo das 3h40m.
A partida foi algo de espectacular, no estádio de Maratona, com quase 18000 participantes, uma bela moldura humana, que fazia o sangue pulsar mais forte. Dois minutos após começar a correr, começa a cair uma copiosa chuvada em modo dilúvio, durou pouco tempo mas serviu logo para refrescar as ideias. Comecei demasiado rápido para o que queria a rondar os 4m40s/km, não me queria desgastar tanto tão precocemente. Ali por volta dos 4 quilómetros reparei num casal já com alguma idade, ele com lenço à pirata e sem t-shirt, por isso facilmente identificáveis, com um ritmo muito certinho e decidi aproveitar a bolei porque achei que era o ritmo certo para não me entusiasmar muito no início. Aos 10kms passei com cerca de 48m30s, ou seja, estava em cima do meu recorde pessoal da maratona, mas o pior estava prestes a começar por isso nem dei muita importância ao tempo, só queria continuar a correr com as boas sensações que estava a sentir.
Uma coisa que me marcou, foi a passagem pelo local dos terríveis incêndios do último ano, onde morreram quase 100 pessoas. Uma coisa é ver na televisão à distância, outra é estar no local, uma visão desoladora a perder de vista, tudo queimado, casas completamente destruídas para onde olhasse, como se tivesse caído uma bomba naquele local. E uma forte mensagem política dos espectadores da prova naquele local, vestidos de pretos, com bandeiras pretas, a mostrarem ao Mundo que se sentiam abandonadas pelo governo e que precisavam de ajuda.
Voltando à corrida, comecei a sentir um desconforto na minha bexiga, e pela primeira vez numa maratona tive de parar para urinar. Aproveitei estar na descida após os 16 kms de prova, para parar, sabia que ia perder a bolei do casal mas não conseguia aguentar até o final da prova, por isso evitava de estar ali desconfortável, e como estava a descer o recomeçar não seria tão custoso. Mesmo assim fiquei com o casal em linha de vista, apesar das muitas pessoas a correr consegui manter a marcação de modo a ter um ritmo constante. À passagem da meia maratona estava com cerca de 1h44m15s, estava a conseguir manter o ritmo até ali, mas continuava a ser uma altura ainda muito precoce de prova. Entre os 25 e 26 kms de prova foi a altura em que mais sofri, perdi o casal de vista, e senti que começava a perder a frescura, não me sentia mais confortável, pensei que seria o princípio do desfalecimento.
Após esse dois quilómetros consegui recompor-me, apesar de estar a perder tempo, o que era normal para a subida, ia conseguindo minimizar as perdas. No fim da subida sabia que faltava cerca de 11 kms para o final, estava com mais ou menos 2h36m30s de prova, contas rápidas de cabeça, e teria de fazer dali até ao final uma média de 4m50s/km para bater o meu recorde. Não sabia como o meu corpo ia reagir, mas tentei acelerar de modo a estar dentro do tempo necessário. A 8 quilómetros do fim estava com 2h50m30s, tinha recuperado em 3 quilómetros 1 minuto de atraso e só me faltava recuperar mais 30 segundos, foi a primeira vez que senti que podia bater o meu recorde. E continuei a tentar manter o ritmo, como era a descer era mais fácil.
A 4 quilómetros do fim estava com 3h10m, mesmo em cima da média que precisava, bastava-me fazer a 5min/km até ao final para bater o meu recorde e baixar das tão desejadas 3h30m. Na maratona do Porto cometi o erro de sucumbir ao cansaço, e por pensar que estava dentro do tempo aliviei um bocadinho no final o que fez com que não baixasse das 3h30m, desta vez não ia cometer o mesmo erro. Consegui manter o ritmo e quando faltavam 2 quilómetros para o final, o meu gémeo direito começou a dar-me sinal, do género - "Se apertas mais comigo eu prendo." - sangue frio e concentração até ao final. À entrada do último quilómetro apanhei o senhor daquele casal com quem estava no início, era o último quilómetro e a descer, estava na altura de largar e deixar ali tudo o que tinha e não tinha.
Entrada triunfante de pulso serrado no estádio Panathenaic e o tempo final de 3h29m02s, na posição 1004, tinha batido o meu recorde, tinha baixado das 3h30m, fazendo a segunda meia maratona ao mesmo ritmo da primeira meia maratona, não quebrei, e num percurso tão exigente bater o meu recorde foi algo que não tinha imaginado antes da prova. A cereja no topo do bolo foi a classificação dos meus companheiros, a nível dos portugueses em prova, e ainda éramos 63, no TOP 10 português, conseguimos colocar 5 representantes.