segunda-feira, novembro 05, 2018

Maratona do Porto

Há atletas que têm malapata com algumas provas, no meu caso a minha malapata é com a maratona, sempre que estou a preparar uma maratona acontece qualquer coisa para me dar cabo do resultado, ou são lesões, ou condições climatéricas adversas, ou percursos desadequados, ou simplesmente um mau dia da minha parte. Desta vez fracturei o cotovelo 5 semanas antes da prova, resultado, 2 semanas sem treinar de braço ao peito, retomo os treinos e faço 3 treinos numa semana sempre com imensas dores de costas, mais uma semana parado a tentar sequer dormir com imensas dores nas costas, e finalmente mais 2 treinos na semana antes da prova. Ou seja, em 5 semanas fiz 5 treinos, em que o somatório de tempo e distância não chegava ao que iria fazer na maratona do Porto. Quando me inscrevi na prova o meu objectivo era bater o meu record pessoal de 3h50m29s que já vinha da maratona de Lisboa de 2015, e de preferência baixar de 3h30m. Com todas estas peripécias, e apesar de alguma pressão familiar para não ir por não estar recuperado, decidi ir e simplesmente aproveitar e desfrutar da prova, sem nenhum objectivo a nível de tempo. Tenho de agradecer à Joana Pico pelas sessões de osteopatia e à Ana pelas sessões de fisioterapia, foram as únicas coisas que me aliviaram as dores nas costas, numa altura que nem dormir conseguia com tantas dores, e sem isso provavelmente não tinha ido à prova.

Numa manhã fria e chuvosa, o tempo de espera para o início da prova foi difícil de se passar, no entanto para mim era o tempo ideal para correr, temperatura fria quanto baste e uma chuva que apesar de não parar era maioritariamente aquela chuvinha dita "molha parvos" ou estando no Porto "molha tolos". Comecei a ver as bandeiras dos pace makers com 3.00, 3.15, 3.30, 3.45, 4.00, 4.30, 4.45, e julguei que aquilo era o ritmo ao quilómetro, ou seja, 3m00s/km, e caraças isto é uma corrida só para homens de barba rija. Só depois quando a corrida começou é que me apercebi que o 3.00 significava acabar a prova em 3h00m. Quando estava a menos de 5 minutos para o arranque da prova, já alinhado para partir, no meio daquele ambiente, daquela música, daquela multidão, pensei para mim - "Sinto-me bem, o que tenho a perder? Vou correr como se a preparação tivesse sido a ideal, provavelmente vou rebentar com grande estilo e mais cedo do que nunca na maratona, mas até quando me sentir confortável vou correr para o meu objectivo".


Mais ou menos por volta dos 3,5 quilómetros de prova chego à bandeira do ritmo de 3h30m de prova, estava a sentir-me bem e passo directamente, era o meu ritmo confortável por isso segui. No retorno em Leixões por volta dos 8 quilómetros reparo que estou mais ou menos entre as bandeiras de 3h15m e de 3h30m, mais do que perfeito, mas a maratona é uma prova longa e enganadora, sabia que isto eram só indicadores e que podia bater contra a parede a qualquer instante. Além disso o percurso era muito mais duro do que pensava inicialmente, pensava que era maioritariamente plano como a maratona de Lisboa, mas não, apesar de não ter subidas duras todo o percurso era muito ondulado.

Quando concluí os 16 quilómetros, e numa altura que o vento de frente me começava a incomodar, sentia que estava a perder ritmo, um grupo de mais ou menos uma dezena de corredores chegou ao pé de mim. O ritmo era mesmo o ideal 4m50s/km, decidi seguir com eles e abrigar-me do vento.Fomos trocando algumas impressões e sensações, na altura lembro-me até de dizer que me sentia bem, mas que até às 3 horas de prova era o aquecimento, dali para a frente é que começava a maratona, que normalmente até aos 32-34 quilómetros o corpo não acusa muito dali para a frente é que se tem de saber lidar com o desgaste. Aos 20 quilómetros o primeiro abastecimento sólido, quanto a mim veio um bocado tarde, e com a preocupação de conseguir agarrar alimento perdi um bocado o contacto, ainda por cima aquelas ruas da Ribeira com pedras escorregadias não me davam muita segurança, por isso tive de me acalmar e recuperar calmamente e só na subida que dava acesso à ponde D. Luís é que consegui recolocar-me novamente. Pouco depois a passagem pelo pórtico da meia maratona, onde estava sensivelmente com 1h43m, ou seja, tinha 2 minutos de margem para acabar a segunda parte da prova o que é uma margem mínima.


Quando damos a volta do lado de Gaia por volta dos 24,5 quilómetros de prova, noto novamente o vento de frente, claramente o vento soprava de Este, e apesar do ritmo naquela altura já não ser confortável para mim, já nem conseguia falar, percebi que era importantíssimo continuar dentro do grupo abrigado, até darmos a volta já do lado do Porto em direcção a Oeste, e passar a ter o vento pelas costas. Por volta dos 26 quilómetros, depois de passarmos por baixo da ponte da Arrábida o grupo começa a perder elementos, eu com algum custo lá me fui aguentando na cauda do grupo. Até que por volta dos 30 quilómetros, durante um abastecimento perdi o contacto, o coração estava demasiado acelerado, e percebi que se me esforçasse mais para apanhar o grupo novamente iria pagar muito caro. Como estava quase a inverter o sentido em direcção a Oeste não me preocupei muito, mesmo assim estive 14 quilómetros com este grupo o que se revelaria fundamental. Uma coisa que faço constantemente quando corro são contas de cabeça, faltavam-me 12 quilómetros para o final, tinha mais ou menos 3 minutos de vantagem para o ritmo que queria no final, o que dava que teria de fazer mais ou menos 5m15s/km até ao final.


Durante os 4 quilómetros seguintes achei que estava em controlo do que se passava, inclusivamente consegui ultrapassar 3 elementos do grupo onde inicialmente estava integrado. Mas tinha chegado a hora do sofrimento, estava com dificuldades em mater o ritmo, só pensava que não podia desperdiçar a oportunidade de fazer 3h30m estando já tão perto do final. Tranquilizei um bocado quando o relógio marcou 39 quilómetros e eu tinha 3h12m de prova, ou seja, para 3,2 quilómetros que me faltavam tinha de fazer um ritmo de mais ou menos 5m40s/km, totalmente controlável. Mas um sentimento de insegurança tomou-me quando o relógio marcou 40kms, mas a placa dos 40kms da organização estava ainda algo distante, seria a placa que estava mal colocada ou o relógio que estava com erro? Decidi acelerar o máximo que pudesse para não ser apanhado desprevenido. Já depois de ter entrado no último quilómetro, sou apanhado pelo pace maker com 3h30m de prova, ele a falar com outro atleta disse que faltavam 5 minutos para as 3h30m, olho para o meu relógio e a mim faltava-me praticamente 6 minutos, fiquei descansadinho da vida, nem preocupei em segui-lo, deixei-o ganhar 40-50 metros quando começámos a entrar nos insufláveis da meta, tinha 3h28m e segundo o meu relógio faltavam 200 metros para o final. Mas os insufláveis nunca mais acabavam, o último que via era branco, que era diferente dos outros assumi que era ali o final, quando lá chego tinha 3h29m50s e apercebo-me que ainda tenho de cortar à esquerda e ainda faltavam praí 100 metros,  desatei a sprintar, mas cortei a meta com 3h30m10s. Alguma frustração por não baixar oficialmente das 3h30m, mas não deixou de ser um tempo muito melhor do que alguma vez imaginei depois de toda a falta de preparação, e finalmente consegui um record já respeitável na maratona.

Agora infelizmente nem tudo foi bom, aliás atrevo-me a dizer que o que se passou a seguir a cortar a meta foi péssimo e imperdoável. Ao me deslocar para a recolha do meu saco deparo-me com filas intermináveis, onde estive mais de 30 minutos ao frio e à chuva, algo totalmente inaceitável e que devia deixar extremamente envergonhado qualquer organizador. Quando chego perto da mesa para a recolha dos sacos depara-me com um cenário onde todos os sacos estavam amontoados, tudo ao molho e fé em Deus, à chuva, e onde quem entregava os sacos pareciam baratas tontas a tentar encontrar cada saco no meio de centenas de sacos, uma falta de profissionalismo e um amadorismo a todos os níveis.

Antes de me entregarem o meu saco ainda, tive de deixar passar um senhor que por se estar a sentir mal, foi-se embora sem sequer recolher o saco dele, isto é o respeito que os organizadores tiveram para com os atletas que encheram a prova, depois de um esforço de correrem mais de 42kms. E no final a cereja no topo do bolo, recebo o meu saco, com a minha roupa que esperava estivesse seca para me trocar e estava toda ensopada porque o saco estava à chuva. Com isto tudo cheguei a um dos hotéis da organização, já eram quase 14h30m, e tinha de fazer o checkout até às 15h, escusado será dizer que mal deu para tomar banho. Para não falar na má imagem pela qual fizeram passar o nosso país, com imensos participantes estrangeiros a reclamarem, e tal como nós, a dizerem que nunca tinham passado por nada idêntico, nas diversas maratonas que já tinham feito por esse Mundo fora. Por isto tudo não voltarei a participar na maratona do Porto e desaconselho outros atletas a participarem.

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